Já é uma tradição porto-alegrense, nos finais dos dias ensolarados, dirigir-se até a orla do Guaíba para assistir ao pôr do sol. Seja verão, outono, inverno ou primavera, é sempre um momento mágico e único quando o Sol se esconde no horizonte e deixa o céu e o lago coloridos em matizes que misturam o vermelho, o laranja, o rosa e o dourado. É um espetáculo diário e cotidiano que lembra a grandiosidade da natureza que nos rodeia. Assistir ao pôr do sol é um ato de contemplação e, como tal, nos inspira a divagar e pensar: Quantas gerações de pessoas já viveram e tiveram a oportunidade de se encantar com este momento antes? Quem teria sido o primeiro ser humano a testemunhar tamanha beleza?
As características geográficas do Rio Grande do Sul foram formadas por sucessivas transformações geológicas que se iniciaram há cerca de 600 milhões de anos. Nossa região já foi um deserto, já aconteceram vários derrames de lava e soterramentos massivos. Estima-se que, 2 milhões de anos atrás, a geografia do local se definiu mais ou menos como hoje a conhecemos, com a faixa arenosa do litoral e os vales e depressões de terra. Durante todo este tempo, o Guaíba abrigou algumas civilizações pré-históricas, que, assim como nós, faziam uso do manancial para sobreviver. Há cerca de 12 mil anos, apareceram os primeiros vestígios de humanos habitando a região. Eram caçadores coletores que vinham do norte da América. Várias regiões do continente americano já haviam sido povoadas. Algumas, muito tempo antes, por populações de origem asiática. A teoria dominante é que tenham atravessado o Estreito de Behring, no extremo norte da América do Norte, que se encontrava seco em razão de uma glaciação global, e teriam chegado à América por ali. Durante os séculos seguintes, foram migrando para o sul, habitando e ocupando o continente ao longo das gerações. Chegaram à América do Sul e, costeando a fronteira oeste, ao lado da Cordilheira dos Andes, desceram o Rio Uruguai até alcançar o Rio Grande do Sul.
No município de Alegrete, foi encontrado o sítio arqueológico com vestígios humanos mais antigos do estado, de cerca de 12.770 anos atrás. Os pesquisadores concluíram que os primeiros humanos que habitaram as planícies do pampa eram nômades, viviam da caça, da pesca e da coleta e, por isso, ficavam próximos a campos abertos e matas ciliares. Eles chegaram às margens do Guaíba justamente à procura de lugares mais propícios de encontrar recursos naturais (água, animais e plantas). Graças à enorme quantidade de água, recantos de pedras e matas densas que chegavam até às margens, a caça, feita através de boleadeiras (pedras unidas por laços de couro), era abundante. Com base nessas estimativas, calcula-se que os primeiros humanos a apreciar o pôr do sol do Guaíba fizeram isso há cerca de 3 mil anos.
Cerca de mil anos depois, por volta do nascimento de Cristo, aconteceu outra marcha migratória, desta vez percorrendo a parte central e leste da América do Sul. Indígenas da tradição Tupi-guarani empreenderam uma viagem pelas florestas procurando a “terra sem males”, uma espécie de paraíso terrestre da sua mitologia, decididos a se estabelecer na região. Diferente dos caçadores nômades que ainda percorriam o território gaúcho, e que foram extintos ou evadidos, os povos Guaranis já haviam desenvolvido a cultura agrícola. Também domesticavam animais e dominavam a técnica da terracota e da pedra polida, como os vestígios encontrados (pontas de flechas, machados, maceradores e vasos em cerâmica) comprovam. Os Guaranis procuravam regiões com água abundante, de modo que a orla do Guaíba foi, naturalmente, um dos lugares escolhidos, sendo, inclusive, eles que nomearam o lago de Guaíba, que, na língua Tupi, quer dizer “seio ou encontro das águas”. Para os indígenas, viver em lugares com flora, fauna e formações rochosas abundantes significava estar mais perto do mundo celestial, o que tornava as margens do Guaíba perfeitas e muito próximas do sonho da “terra sem males”. Os Guaranis foram, portanto, provavelmente, o segundo grupo humano a apreciar o pôr do sol.
Por fim, entre 1500 e 1700, foram os índios que se tornaram presas dos caçadores de escravos e, também, dizimados pelas doenças trazidas pelos colonizadores portugueses, que encontraram aqui um vasto território a ser conquistado. Um deles, Jerônimo de Ornellas, recebeu sesmarias e se estabeleceu na região, em 1740. A partir daí, às margens do Guaíba foi se formando uma cidade e Porto Alegre foi fundada, oficialmente, em 1772, por casais portugueses vindos da Ilha dos Açores, iniciando o processo de urbanização que vivemos hoje. Assim, podemos dizer que o terceiro grupo humano a apreciar o pôr do sol do Guaíba foi o dos colonizadores portugueses.
Depois de tantos séculos e de miscigenação entre os povos americanos, asiáticos, europeus e africanos que passaram por aqui, o porto-alegrense pode até ter se acostumado a dar menos atenção ao Guaíba, mas nunca deixou de depender de suas águas e, claro, de se maravilhar com o pôr do sol às suas margens.