Por Caco Belmonte
Não gosto de rimas com sonoridade repetida, prefiro as frases musicais dos poetas que espremem letras e fazem um suco ácido, ao mesmo tempo doce, com as palavras reunidas em harmonia como uma canção que atravessa o tempo e se eterniza, enquanto houver quem lembre.
Josué é o “porteiro de Cristo”, personagem da vida real que observo com acuidade aquilina. Coleciono esses tipos que me dão abertura, confiança conquistada em pequenos gestos cotidianos que nos aproximam como iguais, apesar das diferenças. Mantenho em dia esses “armários”, as roupas das personagens sempre limpas no hangar dos figurinos, nunca sei quando virão à tona e o material precisa ser farto na criação literária.
Evangélico não fanatizado, embora leitor diário da Bíblia e capaz de citar de memória algumas passagens e Salmos, Josué ajuda muitas pessoas de sua comunidade. Alimentos, produtos de limpeza e higiene arrecadados; orações nas casas desesperançadas. Eles rezam juntos e conversam sobre as passagens bíblicas, pedem a proteção divina. A julgar pelo relato feito a mim, soou meio parecido com o Evangelho no Lar praticado pelos espíritas.
Não posso afirmar que um dia vou escrever sobre Josué de forma mais ampla, mas é homem que renderia um belo romance, no mínimo uma novela encorpada. A história dele começa “pagã”, beberrão e briguento. Eu soube pelo irmão dele, também porteiro, quase tão longevo quanto eu no condomínio em que resido.
Não fosse a minha curiosidade por Teologia, não fosse a minha necessidade de ler sobre religiões e espiritualidade, transcendência, não fosse a “minha bruxaria mediúnica”, não fosse nada disso e ainda as palavras mastigadas dirigidas a ele sobre o Eclesiastes que o flagrei lendo em seu posto de trabalho num horário sem demanda faz alguns anos, jamais teria conseguido me aproximar a ponto de obter o privilégio dos relatos confessionais à moda divã. Por óbvio, também eu necessito dizer o que precisam ouvir. Para ganhar a confiança dessas pessoas, em contrapartida, eu entrego muito de mim. Além disso, jamais usaria os seus nomes verdadeiros.